Mãe, me perdoa, mas eu não quero mais voltar!
Mãe, por favor, compreenda que não se trata, absolutamente,
de falta de amor por você, pelos meus irmãos lindos que você me deu, pela nossa
família que é divina...não, mãe! Eu juro que não é falta de amor! Eu também sei
que um dia eu tentei ir embora, me arrependi e foi lindo demais encontrar vocês
na volta de faixa e flores nos braços, os sorrisos felizes e os corações para
me oferecer! Eu nunca vou esquecer de tudo isso e eu sempre vou sentir falta de
vocês todos os dias!
Mas mãe, me perdoa por não conseguir mais! Eu sei que você
não queria isso para mim! Você me criou para aguentar, avisando inclusive que a
vida não ia ser um passeio no parque o tempo todo. Eu estava e estou preparada
para aguentar, sim! Mas você também me criou para enfrentar o mundo todo, e do
todo do mundo que eu conheci, eu sempre quis voltar. Qualquer mundo que eu
conhecesse não poderia ser melhor que a minha pátria, que a cultura que eu absorvi com sede, que o
carinho e amor que sempre encontrei por aqui. Nada podia ser mais agradável que
isso. O mundo tinha benefícios a oferecer, mas o resto do mundo não me oferecia
uma pátria minha! Você me ensinou, também, sobre esse apego à pátria.
Perdoa, mãe, por favor, porque para odiar o meu país você
não me criou! Você brigou com o colégio porque eu fiquei doente naquele dia
daquela prova de Educação Moral e Cívica, mas eu me lembro bem que foi a única
vez em que você interviu, porque eu realmente estava muito mal da saúde e aquele
professor foi meio maluco, mesmo, não deixando a criança doente ser avaliada em
outra data (e eu adorava "EMC", porque você disfarçou bem sua contrariedade
naquela ocasião)! Entretanto, não é possível não lembrar das vezes em que você
não interviu, porque você me criou para RESPEITAR, às vezes amar e só questionar depois de MUITA reflexão , meus reais educadores! Lembro-me com facilidade que se eu
tive percalços durante minha educação formal, exceto esse episódio com aquele
professor, a culpa foi minha, e se eu criei o percalço, eu tenho que saber
resolver e não gritar por seu colinho clamando que desautorize o educador para
defender minha irresponsabilidade, negligência, omissão ou incompreensão!
Difícil esquecer tudo isso!
E agora, mãe? Se nem você, sábia e serena depois de uma vida
de luta árdua, consegue olhar para essa nação sem se revoltar por tanto
potencial desperdiçado? Se nem você consegue mais dizer que “vai dar tudo certo
no fim” ou que o pior tem limites, sim? E agora, mãe, depois de você ter me
ensinado “filha, pense, antes de se desesperar, no quê de pior pode acontecer
em função dessa situação. Você vai ver que o pior não é tão ruim assim e você consegue
suportar até resolvermos”, eu ter aprendido e agora não conseguir mais saber
nem qual o fim do pior de cada situação?
Agora eu peço perdão, mãe, porque eu parei de sorrir na
volta! Peço perdão por estar fraca, covarde, mas não ter mais capacidade de
amar esse lugar que você me disse que eu tinha que amar e eu amei tanto por
tanto tempo!
Eu prometo que não joguei fora o que você me ensinou.
Prometo que vou continuar mantendo o respeito porque isso eu não posso perder
de maneira alguma! Pelo todo, pelos outros (por piores que me pareçam), pelo
planeta, porque eu gosto bastante de respeito! Obrigada por isso, mãe! Eu gosto
de gostar de respeito!
Gosto de respeito, mãe! Gosto muito! Não sei mais o que
fazer com tanta falta dele por aí!
Não sei mais dormir tão pouco porque minhas tarefas
obrigatórias se acumulam não necessariamente por culpa minha. Não canto uma
música inteira fora do meu carro há três anos. Há um ano exato não consigo mais
nem tirar meu violão novo da capa para tentar tirar uma nota. Não tenho mais a
ânsia de ver tantos amigos maravilhosos que você tanto gosta que gostem de mim,
rir com eles e distrair um pouco a mente, porque estou cansada demais para
pensar em algo além de descanso físico e não mental. Não sei mais colocar um
sorriso no rosto no lugar do fatalismo, para continuar agradecendo pelo que
tenho e não lamentar pelo que me falta, porque falta muito mais a tantos
outros. Não consigo mais fugir da indignação constante e disfarçar minha
revolta diante de tanta falta de valor sólido, porque diluíram o que eu achava
que era sólido e solidificaram aquilo que achávamos que fosse efêmero!
Eu sei que nossa casa, no âmbito de “Os três Porquinhos” era
aquela de tijolos, que o lobo ia tentar derrubar soprando e não ia ser bem
sucedido. Mas, mãe, eu te peço perdão porque nos últimos vinte anos, a
sociedade que conhecemos esqueceu que “o lobo sopra” e que a casa tem que “ser
de tijolos” para estarmos bem protegidos. Perceberam que é mais fácil ser lobo
e ganhar no sopro, do que ser porquinho trabalhador e levantar a casa com
tijolos. Eu ainda gosto de levantar a casa de tijolos, mas essa sociedade se
convenceu de que correto é aquele lobo, e vilão é aquele porquinho! E eu não
fui, absolutamente, preparada para isso!
Mãe, perdoa porque eu não consigo ir para sempre e te levar
comigo. Ainda menos para aquele local onde cada flor desconhecida e colorida me
levava de volta a você por um pensamento. Só consigo ir eventualmente e voltar
com saudade de você e dos meus demais amores humanos. Não consigo voltar mais
sorrindo.
Perdoa, mãe? Perdoa porque agora eu só sorrio quando penso
em ir, e volto a chorar e me desesperar quando percebo que ainda sou obrigada a
voltar? Perdoa sabendo que o amor de vocês é sempre uma lágrima a menos nessa
volta, mas que a cada volta eu tenha mais lágrimas para chorar? E quando eu
parar de conseguir ir, porque isso vai acontecer em breve e você sabe, perdoa
porque eu vou chorar querendo ir?
Perdoa, porque eu vou
amar a você para sempre, mãe, mas não sei e não consigo mais amar esse
Brasil a ponto de ter coragem, como você me ensinou, de ficar com esperança e
lutando pela melhora para tantos?
Você também me falou sempre sobre os benefícios do perdão,
mãe! Obrigada! Então, espero que você, sempre maior que eu, consiga perdoar o
fato de eu não conseguir mais perdoar essa sociedade!
Perdoa, mãe?
Dolorida de fuga,
Filhinha de Papai (e de mamãe)
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