“Dinheiro não traz felicidade”, “mas manda comprar”.
Concordo com ambas, discordo de ambas.
“Filhinha de Papai”, de novo, é o apelido que gente
preconceituosa me atribuiu várias vezes. Eles com a intenção de agredir. Assumo
de bom grado porque tive pai, pelo menos até os primeiros 20 anos de minha
vida. Hoje ele não habita mais o planeta Terra e eu não posso mais sentir
conforto em seus tranquilos olhinhos azuis, mas não deixei de ser a filhinha do
meu papai! Continuo sendo filhinha de minha mamãe e também filhinha do meu
irmão mais velho, que sempre foi mais que irmão! Sou filhinha de uma mãe que
também não é minha biologicamente, mas que escolheu me fazer filhinha dela
também. E como qualquer criança, fui bem amada, mal amada, tive dores, mágoas,
doenças...tive família, também! Mas nem sempre quem não tem família deixa de
ter família! Família também se cria!
Também fui classe baixa, classe média, classe alta, classe
baixa de novo, classe média...não conheço pela minha vivência apenas uma
condição: riqueza extrema! Por essa eu não circulei como participante. A esta
eu só assisti curiosa, e também acabei percebendo como funciona.
Mas eu não tinha inveja da minha amiguinha cujos pais
ganhavam mais dinheiro que os meus e ela podia ter um “walk machine”. Em vez de
ficar pensando que a Vanessa era melhor que eu, eu sabia que era apenas uma
questão de capitalismo natural. Também nunca me peguei pensando que eu MERECIA
o mesmo que ela, então alguém teria que dar um jeito de me dar um “walk
machine” também, porque eu era uma criança legal e merecia aquilo! Eu sabia que
merecia TUDO nessa vida! Mas que essa vida é capitalista até mesmo antes da
criação de moeda (bens para escambo também eram “capital”), então, merecimento
meu e condição financeira dos responsáveis por mim eram questões separadas. Bem
separadas!
Tudo isso porque eu tive educação? Nem tanto! Esclarecimento
dos meus pais e demais adultos em volta era fundamental, claro, mas era só
parar para raciocinar! Criancinha, mesmo! Criança raciocina bem! Adulto que
esquece disso assim que cresce!
E se o patinete motorizado da Vanessa não estivesse
disponível para mim, eu tinha livros! Eu tinha bonecas (a Barbie faltou várias vezes, e daí?). Eu tinha o gato preso na árvore para tentar
salvar. Na década de 80 e início de 90, eu tinha condição financeira também
para um eventual pão com mortadela (presunto era mais caro! Mortadela dava!) e
tubaína! E até hoje eu posso me fartar facilmente com pão com mortadela e
tubaína, mas eu tenho pavor profundo de caviar! E nem gosto das comidas mais
caras do mundo, não. Cultura? Nem tanto! Também não sou tão chegada a
mortadela, mais.
Também usei transporte público. Muito! Até os 8 anos,
acompanhada de um maior que eu (nem sempre mais velho do que 18 anos. Uma
criança de 12 podia acompanhar uma de 8). Depois, sozinha. Mamãe trabalhava por
pelo menos 40 horas semanais. Papai também. Os irmãos, aos 11, também foram
para o mercado de trabalho. Eu cheguei ao mercado de trabalho aos 14 anos,
devidamente registrada dentro das regras da antiga CLT.
Escola? Tinha! Sempre teve! Nem sempre por perto. Era comum
ter que ficar uma hora dentro do ônibus coletivo para chegar para estudar. Não
tem vaga no bairro? Faz parte! Vamos para outra escola, onde haja a vaga!
Só que no meio disso tudo aí, meu cabelo é liso, meio louro
enquanto criancinha, ainda castanho claro depois de adulta, quando me faço
loura com o auxílio da química disponível. Tenho traços pequenos no rosto, tipo
“boquinha”, “olhinho”, “narizinho”...portanto?
Portanto virei “filhinha de papai”! No sentido pejorativo,
porque hoje pejorativo é palavra de ordem no Brasil! O Brasil se agride se
elogiando, atualmente! Agride o igual, agride o diferente, agride porque está
agredido!
Criança não pode mais chorar de frustração! Adolescente
virou adulto mas tem que ser tratado como criança carente. Carente de quê,
pergunto? Amor tem por aí! Pode não ter em casa, mas amor tem aos montes,
espalhado por aí!
Depois dos 30 anos, escutei algumas vezes, de algumas
pessoas a seguinte máxima “você é uma sobrevivente!”. Acho que sim, afinal,
estou viva! Então, sobrevivi mesmo!
Não são TODOS aqui, sobreviventes? Assim que você acordou
para um novo dia, pronto! Sobreviveu! A quê? Só VOCÊ sabe!
Então a professora fofa de Língua Portuguesa enche seus olhinhos
de lágrimas e afirma “Vocês não são suas notas! Vocês são mais que isso!”,
depois completa “vocês são vítimas do sistema!”.
Continuo achando a senhora uma fofa, professora, mas se
estamos todos no mesmo “sistema”, a senhora também não é vítima? Porque a
senhora mora num local bonito e tem dinheiro para pagar um luxo ou outro, o
sistema deixa de agredi-la?
O sistema é o mesmo para todos! Estamos separados nele por
nossas próprias crenças, mas ele é comum. E o possível escravo chinês está
inserido no mesmo sistema que eu, a “livre” Filhinha de Papai brasileira! Ele
também mora no planeta Terra!
Mas agora no Brasil é um tal de “eu mereço”, “aquele merece”...merece,
merece, merece...Tá! E por isso é OBRIGADO a obter?
Tem que distribuir a renda! Tem? Tem mesmo? Alguém conhece
alguém que tenha estudado muito durante muitos anos, trabalhado muito durante
um bom tempo e esteja sem renda? Pode estar, porque tem também quem faça tudo
isso e coloque filho no mundo mais rápido que coelho! E para ter 6 filhos no
mundo, hoje em dia, tem que ter 6 fontes de renda, mesmo! Ah! Mas 6 empregos de
40 horas semanais ninguém aguenta, né? Então, que tal parar de reclamar que
você tá pobre por causa do governo e dar uma olhadinha para o lado e avaliar se
você tinha o direito de botar um time de futebol no planeta? E a carga tributária que a renda paga? Ah! Quando você se sente mais pobre que o vizinho você imediatamente esquece que ele paga mais imposto que você por isso! Seu lance é enfiar o dedo na cara dele porque ele "merece" seu dedo!
O governo sempre foi corrupto! O ser humano é corrupto!
Corrompe-se assim que aprende a falar! Se criança sabe manipular adulto, por
que acreditar que somos todos puros e bons? Somos todos interesseiros! Do
cachorro que tem interesse em comer, ao humano que tem interesse em PODER!
Agora, por que cargas d´água as crianças de hoje são
melhores que as de ontem e “merecem” e só merecem mais e mais e mais...
Só não se merece mais passar por uma dificuldade nessa vida?
Aí é culpa do governo? Do tal do "sistema"?
Desde 1988, no mínimo, a culpa te ter o governo que MERECE é
SUA, brasileiro como eu! Seja você mais, menos, igual ou qualquer coisa de
humano!
Cansada de merecimento,
Filhinha de Papai